BLOQUEIO DO WHATSAPP

INTRODUÇÃO

Conforme podemos verificar da página web do aplicativo[i], o WhatsApp surgiu como uma alternativa aos serviços de SMS disponibilizados pelas operadoras de Telefonia móvel, e hoje, possui mais de 1 bilhão de pessoas conectadas em mais de 180 países.

Segundo a Agência Brasil de notícias, EBC, apesar de registrar queda de 5,38%, no mês de janeiro, o Brasil ainda possui 243,42 milhões de linhas móveis ativas[ii], o que representa mais de uma linha móvel por habitante no Brasil, segundo estimativa de habitantes (207.498.507), divulgadas em tempo real pelo IBGE[iii].

Conforme pesquisas divulgadas pela Revista Exame, em julho de 2016[iv], o Brasil foi classificado como o segundo país que mais utiliza do WhatsApp no mundo, ficando atrás apenas da África do Sul, sendo que 76% dos usuários brasileiros que possuem linhas móveis, utilizam regularmente o aplicativo.

Pesquisa mais recentes do IDGNOW[v], por sua vez, foi mais além, e comentando relatório da Analysis Group, empresa contratada pelo WhatsApp para analisar o impacto econômico do aplicativo em diversos países, estimou que o WhatsApp contribui para 0,9% do PIB brasileiro.

O estudo revela também, que pequenas, médias e grandes empresas, utilizam o aplicativo para realização de negócios e troca de informações. Este esta sendo o grande fator de importância quando falamos em comunicação por aplicativos móveis, ainda mais se considerarmos a facilidade do uso destes, em dispositivos como celulares e smartphone.

Desta feita, diante do panorama da evolução tecnológica, bem como dos reflexos econômicos que estes aplicativos representam para economia nacional, quiçá mundial, não podemos apenas nos ater a questões regionais e/ou pontuais, para fundamentar decisões que podem afetar um grande número de usuários, sem que sejam exauridas todas as alternativas jurídicas para atingir os mesmos objetivos.

Diante deste panorama, vamos focar nossos esforços em analisar as questões legais, com o intuído de oferecer uma análise isenta, sob o ponto de vista do bloqueio de aplicativos, assim como suas consequências em uma sociedade que cada vez mais se torna refém das novas tecnologias.

“OBSTRUÇÃO DA JUSTIÇA”

Apontado como motivador para os bloqueios do WhatsApp, a “obstrução da justiça”, termo utilizado vulgarmente para “definir” o “impedimento” causado por alguém para o avanço de investigações, não encontra respaldo em nossa legislação pátria.

Apesar de imoral, não há crime na suposta “obstrução da justiça”. O que na verdade há, são atos atentatórios à Administração da Justiça[vi], ou Administração em Geral[vii], que são tipificados em diversos dispositivos do Código Penal que podem, nestes casos sim, configurar um crime.

Sendo assim, como não há tipificação à “obstrução da justiça”, é importante se antever o tipo objetivo e subjetivo do ato, para então poder se enquadrar na legislação penal, sob pena de violar o inciso XXXIX, do artigo 5º, da Constituição Federal[viii].

Desobediência

Dizer que este ou aquele tipo penal é mais adequado para tipificar o ato de não cumprir uma determinação judicial, é por derradeiro, pretensioso, contudo o crime de Desobediência, com fulcro no artigo 330, do Código Penal, nos parece fundamentar alguns abusos dos sujeitos ativos de um crime.

“Art. 330. Desobedecer à ordem legal de funcionário público.”

Insta ressaltar no entanto, que o núcleo do tipo objetivo e o ato de desobedecer uma ordem de um funcionário público competente, que tenha dado a ordem, neste caso o Juiz de Direito que emanou a ordem, para o cumprimento de determinada decisão.

Entretanto, com pouca, ou quase nenhuma efetividade, posto que a pena prevista para este crime é de quinze dias a seis meses, e sopesados os “prejuízos” efetivamente causados pela defesa, muitos sujeitos ativos não cumprem à ordem judicial assumindo o risco de ser enquadrado no Crime de Desobediência.

Este tipo de desobediência, que infelizmente se tornou muito comum nos dias de hoje, nos leva a análise de outro tipo penal, igualmente previsto em nosso Código Penal.

Desacato

Previsto no artigo 331, do Código Penal, o crime de desacato também se configura, quando há por objetivo, desprestigiar a função pública, neste caso, do Magistrado que ora impõe a ordem.

Seu tipo objetivo encontra respaldo no ato de ofender, menosprezar ou desprestigiar a função pública, como se a ordem dada, não surtisse qualquer efeito no sujeito para a qual ela foi direcionada.

Entendemos, por derradeiro, que o simples fato de se omitir, ou mesmo de negar o cumprimento de determinada ordem, pode ser caracterizado como Desacato, podendo o sujeito ativo, ser enquadrado no artigo 331, do Código Penal.

DIREITOS À COMUNICAÇÃO

Estando os tipos legais relacionado à Administração da Justiça e a Administração Geral, dispostos no Código Penal nos capítulos dedicados aos crimes comuns, com penas que aplicadas, certamente serão objeto de transação penal, com pouca efetividade na prática, estamos certos que uma visão mais aprofundada do tema é necessária.

Inseridos no direito brasileiro, os Direitos Fundamentais é objeto de grande importância, e de especial atenção na Constituição de 1988. Dispostos no “Título II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, o artigo 5º, descreve em seus incisos, alíneas e parágrafos, os “Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”.

No caso em apreço, o que nos interessa analisar é o disposto no inciso IX, do artigo 5º, da Constituição Federal, verbis.

“Art. 5º

(…)

IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;”

Podemos verificar, pela redação dada ao inciso IX, do artigo 5º, que o Poder Constituinte deu especial atenção à livre expressão e comunicação, inclusive com status de cláusula pétrea.

De igual forma, o Marco Civil da Internet, Lei 12.965/2014, dedicou o artigo 3º, inciso I[ix], ao Direito de Comunicação, concluindo pela necessidade da preservação da estabilidade a rede, compatíveis com as técnicas internacionais, conforme preceitua o inciso V[x], do mesmo codex.

Implícito nas cláusulas pétreas constitucionais, o Direito à Comunicação não pode ser relegado aos brasileiros, apenas em razão de um descumprimento de ordem direcionada a uma pessoa determinada.

No caso do WhatsApp, a alegação para o não fornecimento de informações, se fundamenta no fato do aplicativo utilizar a criptografia de ponta a ponta, e uma vez criptografadas as informações, não seria possível o acesso às mesmas.

Muito embora o WhatsApp tenha razão na presente afirmação, não nos parece que seja impossível a interceptação da informação antes que ocorra a criptografia, pois se os dados do WhatsApp são compartilhados com o Facebook, sua proprietária, é fato que em determinado momento, as informações passem pelos servidores da empresa, podendo desta forma ocorrer a interceptação.

CRIPTOGRAFIA

A Criptografia é tão antiga quanto a civilização organizada (sociedade), e surgiu da necessidade de “ocultar” textos que não poderiam ou não deveriam ser de conhecimento de todos, em razão de características críticas e/ou confidenciais.

Ao longo da história, a criptografia evoluiu de algoritmo simples de substituição monoalfabética, polialfabética, até chegarmos nos complexos algoritmos matemáticos que hoje são processados pelos computadores.

Segundo Renato Martini, “qualquer criptossistema deve garantir que as mensagens que trafegam num canal de comunicação qualquer devem ter a privacidade, a integridade e a autenticação garantidas. Em outras palavras: ele deve garantir que a mensagem que envio (1) não foi lida por alguém que não desejo, (2) que minha mensagem foi entregue tal qual a fiz e, por fim, (3) que minha mensagem chegou de fato ao destinatário desejado”.[xi] (grifos originais)

Esses são os fundamentos da Criptografia, que infelizmente são desvirtuados para a prática ou ocultação de crimes, sejam eles informáticos ou não.

TIPOS DE CRIPTOGRAFIA

Depois de discorrermos, mesmo que brevemente sobre os pilares da Criptografia, é importante sabermos que “a criptografia pode ser entendida como um conjunto de métodos e técnicas para cifrar ou codificar informações legíveis por meio de um algoritmo, convertendo um texto original em um texto ilegível, sendo possível mediante o processo inverso recuperar as informações originais (SIMON, 1999).[xii]

Hoje, existem a disposição de todos, diversos softwares que permitem a cifragem de informações, pelo meio dos quais, os usuários buscam manter a confidencialidade das suas informações, assim como a integralidade e autenticidade.

Outrossim, é importante destacar que o destinatário da informação, somente terá acesso ao seu conteúdo, se possuir a chave criptográfica correta, para transformar o texto ilegível, em algo legível.

A IMPORTÂNCIA DA CRIPTOGRAFIA

A computação representa hoje um dos principais pilares da evolução humana e a expressão maior da era digital, e, como visto anteriormente, revolucionou entre outras questões, a Criptografia, possibilitando o uso de técnicas e algoritmos complexos, para elevar a segurança dos métodos de cifragem de mensagens.

Neste contexto a criptografia deixou de ser mera coadjuvante das relações interpessoais, passando a ter cada vez mais importância na transmissão de dados e mensagens e desta forma, não podemos, assim como não devemos, estereotipar a Criptografia como um método para ocultar ou praticar crimes.

Com exemplo do uso benéfico da Criptografia, hoje ela se encontra na transmissão de dados dos softwares bancários, assim como protege as operações realizadas nas compras on line, representando um importante mecanismo de proteção das informações.

Assim sendo, os benefícios do uso da Criptografia é muito mais relevante que seu desvirtuamento, devendo ser analisada criteriosamente a prática criminosa, ao invés de apenas culpar a Criptografia.

POLÍTICAS DE SEGURANÇA DA INFORMAÇÃO

No Brasil, apesar da legislação ser escassa, foi instituída a Política Pública de Segurança da Informação, através do Decreto lei n.º 3.505, de 13 de junho de 2000.

Sobreleva notar, que o art. 1º do presente Decreto Lei, mais precisamente nos incisos V e VI, dispõe sobre a importância da Segurança da Informação e do uso da Criptografia, verbis.

“(…)

V- criação, desenvolvimento e manutenção de mentalidade de segurança da informação;

VI – capacitação científico-tecnológica do País para uso da criptografia na segurança e defesa do Estado; e”

Apesar do presente Decreto Lei ser de utilidade dos órgão da administração pública, traz um importante avanço ao reconhecimento da Criptografia, como ferramenta a serviço da Segurança da Informação.

Este é um assunto que preocupa diversas autoridades, e que tem sido foco de diversos fóruns, tendo em vista a notícia de que o Governo Americano praticou, sistematicamente, a interceptação de diversas mensagens de outros governos, sob a alegação de segurança nacional.

Enquanto a resposta para perguntas relacionadas ao desvirtuamento da Criptogração não são respondidas, é importante que façamos usos de ferramentas disponíveis para que possamos garantir um mínimo de segurança nas transmissões de informações, e a Criptografia é uma importante aliada nesta questão.

PRINCIPIO DA RAZOABILIDADE

O princípio da Razoabilidade ou da proporcionalidade, como alguns preferem, pode ser vista como uma “válvula de escape” para o Juiz, que diante de uma situação que podem causar efeitos graves a um determinado grupo de pessoas, evita a decisão contrária aos direitos de outras pessoas, não ligadas diretamente à causa.

No presente caso, o bloqueio do WhatsApp, é um grande exemplo da aplicabilidade do princípio da Razoabilidade.

Não nos parece crível que o bloqueio de mais de uma centena de milhares de usuários possa ser justificado, pela recusa de uma empresa em fornecer os dados requeridos.

Este princípio, apesar de utilizado pelo poder judiciário para justificar algumas de suas decisões, não esta previsto na Constituição Federal, contudo, podendo ser encontrado em diversas leis infra constitucionais, que denotam a importância de sua aplicação.

É o caso do artigo 2º, da Lei 9.784/99, que “Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal”[xiii], entre outras, que poderiam ser citadas para o fim de justificar a aplicação da proporcionalidade.

CONCLUSÃO

Como visto, o WhatsApp, como aplicativo de comunicação, é utilizado por 76% dos usuários de linhas móveis no Brasil, representa, em questões econômico financeiras, 9% do PIB brasileiro, tendo em vista que hoje, o aplicativo é utilizado por pequenas, médias e grandes empresas, para a realização de negócios.

De outra face, a criptografia utilizada pelo aplicativo, não encontra óbice em nossa legislação nacional, sendo que é até incentivada no Direito Público, como meio de ferramenta a serviço da Segurança da Informação.

Desta feita, não há, pelo menos pelo ponto de vista deste estudo, qualquer razão legal para que seja determinado o bloqueio do WhatsApp para fim de punição pelo descumprimento de ordem judicial, sendo necessário, a aplicação de outros meios coercitivos para que os representantes do aplicativo no Brasil, apresentem os dados requeridos, dentro das possibilidades tecnológicas envolvidas.

 

BARBOSA, Ronaldo Caldeira

Advogado, Bacharel em Direito pela Universidade Cidade de São Paulo, Pós Graduado em Direito Tributário pelas Faculdades Metropolitanas Unidas e MBA em Direito Eletrônico pela Escola Paulista de Direito, ronaldo.barbosa@rcbarbosa.com.br

REFERÊNCIAS

  1. CARVALHO, Kildare Goncalves. Direito Constitucional. Teoria do Estado e da Constituição. Direito Constitucional Positivo. 14 edição. Editora DelRey, Belo Horizonte, 2008;
  1. DELMANTO, Celso, DELMANTO, Roberto, DELMANTO JUNIOR, Roberto, e DELMANTO, Fábio M. de Almeida. Código Penal Comentado. Legislação Complementar, 5º Edição, Renovar, Rio de Janeiro, 2000;
  1. MARTINI, Renato. Criptografia e Cidadania Digital, Rio de Janeiro, Editora Ciência Moderna, 2001;
  1. MASSO, Fabiano Dolenc Del, ABRUSIO, Juliana, FLORÊNCIO FILHO, Marco Aurélio, coordenadores. Marco Civil da Internet. Lei 12.965/2014. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2014;
  1. MORENO, Edward David, PEREIRA, Fábio Dacêncio e CHIARAMONTE, Rodolfo Barros. Criptografia em Software e Hardware. Disponível em: http://www.martinsfontespaulista.com.br/anexos/produtos/capitulos/143116.pdf. Acesso em: 01 jun. 2016, às 07:10;
  1. SAMPAIO, José Adércio Leite. A Constituição Reinventada pela Jurisdição Constitucional. Editora DelRey, Belo Horizonte, 2002;
  2. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Secretaria de Documentação. Coordenadoria de Biblioteca. BLOQUEIO DO APLICATIVO WHATSAPP POR DECISÕES JUDICIAIS NO BRASIL. Bibliografia, Legislação e Jurisprudência Temática. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/bibliotecaconsultaprodutobibliotecabibliografia/anexo/bibliografiawhatsapp.pdf. Acesso em: 22 mai. 2017, às 19:34 horas;

Notas de fim

[i] Disponível em: https://www.whatsapp.com/about/. Acessado em: 20 mai. 2017, às 09:04 horas.

[ii] Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2017-03/numero-de-linhas-de-celulares-ativas-no-pais-registra-nova-queda-em-janeiro. Acessado em: 20 mai. 2017, às 09:16 horas.

[iii] Disponível em: http://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/. Acessado em: 20 mai. 2017, às 09:21 horas.

[iv] Disponível em: http://exame.abril.com.br/tecnologia/brasil-e-um-dos-paises-que-mais-usam-whatsapp-diz-pesquisa/. Acessado em: 20 mai. 2017, às 09:27 horas.

[v] Disponível em: http://idgnow.com.br/mobilidade/2017/03/15/whatsapp-contribui-com-ate-0-9-do-pib-do-brasil/. Acessado em: 20 mai. 2017, às 09:30 horas.

[vi] CP. Título XI. Capítulo III. Dos crimes contra a Administração da Justiça.

[vii] CP. Título XI. Capítulo II. Dos Crimes praticados por particular contra a Administração em Geral.

[viii] CF. Art. 5º (…) XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;

[ix] Lei 12.965/2014. Art. 3º (…) I – garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal;

[x] Lei 12.965/2014. Art. 3º (…) V – preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da rede, por meio de medidas técnicas compatíveis com os padrões internacionais e pelo estímulo ao uso de boas práticas;

[xi] MARTINI, Renato. Criptografia e Cidadania Digital, Rio de Janeiro, Editora Ciência Moderna, 2001, pág. 12

[xii] MORENO, Edward David, PEREIRA, Fábio Dacêncio e CHIARAMONTE, Rodolfo Barros. Criptografia em Software e Hardware. Disponível em: http://www.martinsfontespaulista.com.br/anexos/produtos/capitulos/143116.pdf. Acesso em: 01 jun. 2016, às 07:10. pág. 21

[xiii] Lei 9.784/99. Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

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